Poderia ter te culpado por ter feito uma escolha por mim. Poderia ter te culpado pelas vezes que sofri corte químico ou por quando me submeteu ao alisamento com ferro quente à beira do fogão. Poderia culpá-la pelo ardor e cheiro forte do alisante ou pela orelha queimada com o secador e/ou chapinha. Poderia culpá-la por evitar a raiz inchada e o volume do meu crespo. Mas não a culpo.
Não a culpo porque foi tão vítima quanto eu. Vítima porque sofreu o mesmo processo de repressão que sofri. Negação do cabelo crespo, do volume e dos cachos. O mesmo processo que passaram suas irmãs, mãe e avó. Elas aprenderam que o crespo é duro e não expressa boa aparência. Aprenderam que nunca seríamos bonitas, nem casaríamos ou ficaríamos empregadas com o nosso crespo. Aprenderam e nos ensinaram a querer ser iguais as sinhazinhas de cabelo liso. E nós acreditamos, mãe… nós fomos vítimas.
Hoje me sinto linda! Mesmo que ainda existam dias em que a senhora olhe para mim e diga algumas vezes que estou parecendo uma louca com este cabelo, mesmo que me peça para “relaxar” e “soltar os cachos” ou cortar as pontas loiras. Sinto-me linda quando acordo e me olho no espelho, quando recebo olhares curiosos ou de reprovação e até mesmo quando aquela moça diz que “pegaria uma tesoura e cortaria meu cabelo”.
Nosso crespo é lindo, mãe! Não precisamos de alisantes e nem chapinhas. Não precisamos de pouco volume e nem de creme escorrendo na testa. Precisamos nos amar como somos, sermos livres, crespas e cacheadas.
Nestes setes anos sem química, meu melhor presente não foram meus cachinhos dourados e nem os elogios que recebi. Meu melhor presente, mãe, foi chegar em casa e te ver linda e cheia de cachos. Foi vê-la chegar sorrindo por ter recebido elogio na feira, olhar-se no espelho e amassar os cachos com as mãos. Foi ver sua felicidade ao mostrar seus produtos “para cabelos cacheados”. Encontrá-la na rua cheia de volume (mesmo que não goste e que algumas pessoas falem) e ouvir todas as minhas amigas dizerem: “sua mãe está linda”.
Nunca te culpei e nem a culpo por negar meu crespo. Porque sabia que um dia também se libertaria e seria tão livre quanto eu. Hoje sou feliz ao dobro. Viva a liberdade de ser quem se é…